agosto 19, 2022

Solidão só é problema quando está acompanhada.

Ser sozinho nunca foi problema para mim, estrar é. Principalmente quando estou sozinho com alguém ao meu lado, tendo que fingir atenção ou fingir que espero atenção.

Cresci sem irmãos, evitando contato parental e me meter em seus problemas, ou que os problemas se voltassem contra mim, cresci imerso em livros, HQs e histórias diversas. Cresci pegando a bicicleta e andando a esmo entre bairros para me cansar, corpo e mente. Aprendi a sair sozinho, cinema, shows, bares e estádios - só me incomoda ainda ir à praia sem companhia. Um fone e música criam uma barreira quase impenetrável entre mim e o mundo fora dela. Uma tela em branco de um editor de textos é todo ouvido que eu preciso, todo ombro amigo que me acolhe. Estar sozinho pra mim é o normal, o acolhedor.

O problema começa quando eu estou sozinho mas tenho que fazer companhia e estar acompanhado. Essa companhia me impede de me separar do mundo de fora, de me concentrar em histórias e músicas que são mais interessantes que a realidade. Estar acompanhado e ainda assim sem assunto, sem distrações, ouvindo o que não é do nosso interesse, falando o que não é do interesse do outro e disfarçadamente olhando a posição dos ponteiros do relógio enquanto eles cheio de preguiça e má vontade se arrastam.

Isso é estar sozinho, ser sozinho passa a ser um alívio.

agosto 18, 2022

Multifocal.

O problema de ter alguma hiperatividade sem o tal do déficit de atenção é que o cérebro nunca está totalmente ocupado, sempre tem algum pensamento que não conseguimos calar e normalmente não conseguimos ter atividades o suficiente para cansar e desligar. Cansativo, mas não exaustivo.

Normalmente a minha rotina é alguma rede social, o comunicador para quem quer falar comigo ou tripsters, TV em um jogo qualquer e um vídeo, filme ou série no computador. E ainda assim a cabeça não cala. E ainda assim o pensamento sobre futuros aborrecimentos que podem ou não acontecer, as possibilidades de ações e reações, diálogos e respostas continuam.

E não são simplesmente diálogos, são baseados em lógica e possibilidades, em uma linha de lógica baseada em comportamentos e padrões há muito conhecidos. Tudo que é menor que verosímil é descartado e substituído.

Esse nível de complexidade e ansiedade é insuportável, o sono vem, mas não fica, a atenção é dividida e ainda assim se multiplica, a cabeça dói e ainda assim continua e acelera e não para.

Focar é fácil, o problema é que são diversos focos em diversas coisas todas com total atenção e compreensão. Eu apenas não queria que fosse assim.

O fim às vezes não é derradeiro.

"A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe."
Charles Chaplin

O ciclo é claro, óbvio e inevitável: tudo que começa, termina.

Única coisa que varia nesse ciclo é a velocidade com que o término chega, alguma vezes chegam de forma abrupta, com um catástrofe ou um evento caótico, outras vezes o declínio e lento e acelera no final mas, a maior parte das vezes o declínio começa rápido e quando chegar perto do fim fica simplesmente para e continua como uma função matemática que nunca toca o eixo X. É o pior dos mundos.

Quando estamos nesse ponto tudo que desejamos é que o fim chegue logo, que tudo termine e que esse fim, por pior que possa parecer, seja libertador. É o que queremos, é o que eu quero. É o que eu preciso. Esses momentos antes do final, que podem ser dias ou até anos, é angustiante. 

O tempo passa, as portas se fecham enquanto estamos presos a situações que não vão ser consertadas, que não vão melhorar. O mundo vai ficando menor, claustrofóbico, as horas passam, os dias passam mas o tempo não é suficiente. Obrigações se empilham, soterram. O alívio é interrompido com alguma demanda que não é nossa, às vezes nem é iniciado, já que vai ter que ser interrompido antes de ter a chance de se completar.

Os dias passam, o reflexo no espelho envelhece, perde o brilho, a vitalidade, esmaece até uma palidez mórbida e sem vida, seguindo a existência para cumprir as obrigações. Sem fogo, sem desejo, sem planos ou objetivos, apenas um dia atrás do outro, aspirando para que nada mude uma rotina que há muito machuca e impede a cicatrização.

Por muitos motivos, o maior sendo apenas orgulho de uma força que não está sendo suficiente, desistir não é opção. Transparecer, menos. Ajuda, impossível. E com isso continuo sorrindo como se nada tivesse acontecendo, vivendo uma vida perfeita que alguns desejariam obter. Pobres ao desejar isso, espero que não obtenham o que desejam.

Falar não resolve o problema. Escrever também não.

Mas ao escrever há a remota chance do registro ser o suficiente para afastar o problema e ele passar de tragédia à comédia.